O arcade Alfeno Cynthio, pseudónimo que o Sintrense de Rio de Mouro, Domingos Maximiano Torres escolheu para si, demonstra o seu grande afecto pelo local onde nasceu. Além disso deixou-nos outras manifestações de quanto o inspiravam os sítios onde gostava de permanecer e nos quais hoje moramos. Para ilustrar esta afirmação, aqui fica um soneto de Alfeno, escrito em 1791.
Que triste horror,que muda soledade
Me abafa em torno nesta selva escura
onde a espaços vislumbra na espessura
Da lua incerta,e frouxa claridade
Ouço Melampo*uivar na minha herdade
A rouca rã em seu grasnar atura;
Ruge a aura surda, o lobrego murmura
o ribeiro movendo a saudade
Eis sinto a voz dos mochos agoireira
dobrar os guinchos na ouca penedia
Anunciam meu fim? O céu o queira
Que mortal mais feliz do que eu seria
Se meus anos a infeliz carreira
Aqui findasse sem mais ver o dia ?
Analizando o texto do poema,ficamos a saber que a inspiração surgiu na quinta do autor, em Rio de Mouro, que ele designou por "minha herdade". O ribeiro que movia a saudade é o curso de água que todos conhecemos "o mouro". É um belo e melancólico poema onde está patente a grande sensibilidade lírica de Domingos Torres, sem dúvida um dos grandes cultores deste género poético, da Lingua Portuguesa.
A Quinta Grande era uma propriedade que durante séculos existiu, onde hoje estão edificadas a estação ferroviária de Mira Sintra-Meleças, e a urbanização da Rinchoa, traçada por Leal da Câmara. A "herdade" foi terra que um dia "gemeu debaixo dos pés do Condestável D. Nuno Alvares Pereira" a quem teria pertencido. Leal da Câmara, teve o sonho de transformar a Quinta Grande, numa espécie de Nova Tormes queirosiana; em parte conseguiu como um dia destes explicaremos. Durante séculos a Quinta, cuja área atingia os setecentos hectares, conservou, uma frondosa mata verde escura, formada por pinheiros mansos, sobreiros e carvalhos. Com a abertura do caminho de ferro, do qual a linha do oeste rasgou a propriedade começaram a surgir ideias para aproveitar os terrenos de forma mais rentável.
Na década de 1920, a Quinta Grande esteve para ser adquirida pelo Estado para ali instalar uma fábrica de pólvora. Aquele projecto apareceu com o propósito de substituir a fábrica de Barcarena que na época,apresentava prejuízos. A Quinta Grande, detinha a vantagem de estar ligada à rede ferroviária, permitindo mais fácil abastecimento de matéria prima, indispensável ao processo produtivo, não só sulfato de enxofre, obtido das pirites alentejanas mas também, o carvão vegetal, a cal e a água necessários,estes apesar de existirem no local, não eram suficientes.
O empreendimento não vingou, porque ao tempo tal como agora, as finanças públicas não permitiam. Deste modo a empresa "Realizadora", fundada por Leal da Câmara, adquiriu a quinta para urbanizar. Ainda bem! partilhamos um pormenor inédito sobre o Concelho de Sintra, esperamos que tenha sido um bom "tiro"... não de "pólvora seca".
O que resta do arvoredo da Quinta Grande - Meleças.
Para assinalarmos este dia nada é mais apropriado que lembrar o nosso conterrâneo Domingos Maximiano Torres, natural de Sintra (Rio de Mouro) nascido no ano de 1748, e falecido em Almada (Forte da Trafaria) no de 1810. Muitos dos seus poemas cantam o bucólico rincão onde nasceu, e o rio que lhe deu o nome, como este, cujo final é o seguinte:
Graças a amor! assoma a feliz hora
Tirada no seu coche
De cem desejos servidos alados
Em que me prometeu a minha Nize
De ouvir os meus queixumes namorados
Na floresta de platanos que assombra
A entrada da caverna veneranda
Donde em mil borbotões de espuma o Mouro
Fervendo o seu licor perene manda
Domingos Torres o arcade "Alfeno CYnthio", émulo de Bocage e Filinto e de outros grandes da Academia cantou como ninguém o "insigne lugar" onde escolhemos viver que contrariamente, ao que dizem alguns "bobos da corte"é singular e único, guardando no seu alfoz, aspectos que fazem dele um sítio maravilhoso que inspira os Poetas, e dá beleza ao nosso quotidiano.
Em São Pedro de Penaferrim, freguesia do "arrabalde" da Vila de Sintra, existe uma ruela denominada: "Caminho da Fonte de São Pedro", no final da qual deparamos com objecto que lhe dá o nome.
Trata-se duma fonte cuja mina ostenta uma placa com a data de 1873. O local onde brota a água é um pequeno largo rodeado pelos altos muros das quintas da vizinhança. O ruído da água da bica é o único som que perturba o silêncio do lugar. Junto ao tanque para onde escorre a água são visíveis as marcas dos cântaros que os nossos antepassados encheram na fonte. Ao longo do muro um banco de pedra, onde quem sabe!? Quantos namoricos se realizaram. Enfim, é um desses cantinhos propícios à meditação e ao lazer, no entanto, para além da sua recôndita situação,o que chama a nossa atenção é o estado de abandono de tudo isto.Os muros já não devem ser caiados há décadas,o cano por onde corre a água, é de plástico, talvez um pedaço de tubo utilizado em instalações eléctricas. O empedrado do pavimento é um continuo de buracos. O único sinal de que o abandono não é total, é dado por uma aviso recente dos serviços de águas da Câmara Municipal de Sintra,dizendo que a água não é controlada.
A fonte de São Pedro é exemplar raro de como se abasteciam de água as populações rurais, no Portugal de oitocentos, porque está numa zona de grande fluxo turistico deveria ser convenientemente divulgada, para que sendo mais visitada mitigar o seu estado de abandono e esquecimento.
Afinal devemos ter esperança! As instituições do nosso País, quando confrontadas com factos como os que enunciamos no post de 23 p.p. tem a capacidade de agir para resolver a situação. Ao tomar conhecimento da "notícia", a Câmara Municipal de Sintra resolveu actuar.
Na segunda-feira seguinte a 27 de Fevereiro de manhã estavam a ser removidos: cabos, tubos e demais aparelhagem fixados no painel. Graça Morais, e a sua obra merecem, porque ocupam por mérito um lugar de relevo na cultura portuguesa.
Só é de lamentar a falta de planeamento e cuidado que permitaram tão "infausto" acontecimento. Devemos saber retirar ilações para não se repetirem actos idênticos.
Alguns dos comentários que recebemos questionavam se era possível saber a autoria do painel. Claro, está devidamente assinado. Devemos congratular-nos pois cumprimos o nosso dever de cidadania. Valeu a pena, GRAÇA MORAIS merece. Muitos ficaram a saber que no Município de Sintra, está em local público, uma obra de arte que embeleza e dignifica o sítio onde está colocada. Deve ser conhecida, valorizada e preservada para ser vista por quem passa, como um exemplo de que o talento e criação artística, podem contribuir para tornar o nosso quotidiano mais belo e luminoso.