Neste dia internacional dos correios, face à discussão a decorrer para a sua privatização é com certeza útil, carrear para esse debate elementos demonstrativos como funcionavam no inicio da sua actividade em Portugal, fazendo votos que não voltemos a situação similar. Em Junho de 1848, um dos senhores deputados da Câmara respectiva dissertava sobre o tema:
"Parece-me que esta Câmara e o País todo, não põe a menor dúvida sobre a má organização das nossas repartições, todas elas precisam de uma organização nova e completa, mas a que em primeiro lugar a precisa é certamente o correio geral (...). Temos correio três vezes por semana, e este serviço é feito vergonhosamente."
Para corroborar a sua opinião o ilustre deputado,Sr,Cunha Sotto Maior, relatou: "O correio encarregado de levar e trazer a correspondência duma terra frequentadíssima, e distante de Lisboa coisa de 5 léguas faz esse serviço montado numa mulinha, mais pequena que um burro. O pobre homem vai parando a todas quantas tavernas há pelo caminho: pára e já se sabe toma um copito de mão de vinho, à força de repetir esta libação cai da mulinha e fica no chão, a mulinha continua a chutar chega ao seu destino dá sinais da sua vinda e uma mulher, abre a porta pega na mala recolhe a mulinha, gasta nisto o tempo que lhe parece e depois vai em procura do marido: ora aqui está a maneira expedita com que nos serve o correio".
No entanto mais reparos havia a fazer, segundo o parlamentar:
"O correio como actualmente existe, é uma vergonha: a Posta rural é feita por mulheres, as malas são gigas ou cestos. O correio para ir de Lisboa a Bragança e voltar gasta 12 dias! Parece-me que já é tempo de civilizar esta repartição".
Oxalá estes tempos sejam coisas sem retorno, até porque a terra "frequentadíssima" era Sintra. Perdão, Cintra!
O Dr. Manuel Hermenegildo Lourinho (1891-1979), médico, deputado na Assembleia Nacional do Estado Novo em 1952, a propósito dos acidentes rodoviários, e falta de civismo na condução, "pragas" já ao tempo, proferiu um discurso, no qual, como exemplo apontou o que se passava numa rodovia do concelho de Sintra. O Dr. Lourinho, gozava as férias de Verão no Município sintrense, apesar de ser natural de Portalegre, a intervenção é uma "pérola" que gostosamente partilhamos:
"Quem, num domingo de Verão, por volta das 16 horas, se colocar como observador nalguns pontos da estrada Sintra-Praia das Maçãs, para verificar o que ocorre na sua pouco mais do que meia polegada de largura, diagnosticará facilmente, mas com êxito absoluto, o complexo perturbador que acabo de apresentar aos senhores deputados.
São os automobilistas de verdes anos, que irrompem como furacões, torneando a estrada de lés a lés; é o motorista desembaraçadissimo de presunção, mas falho de dotes físicos para bem conduzir; são os que fazem ultrapassagens de risco, em que os pneus cantam e o pavimento fica com profundos arranhões; são os grandes camiões de carga rolando a reboque, ocupando,pelo tamanho e pelo exagerado volume da mercadoria a transportar, todo o espaço que se encontra para distribuir pelos outros; são os condutores tímidos e mal preparados para conduzir um veículo, incapazes, de seu natural, para resolver qualquer problema dos muitos que continuamente aparecem a quem conduz na estrada.
E mais são os motoristas que apenas medem e reclamam os seus direitos, esquecendo ou desconhecendo os seus deveres.
Ainda pior, são os peões que num rancor invejoso contra os que conduzem os motorizados, se supõem e se mantêm no direito de ocupar e se demorar na porção de faixa de rolamento pertencente ao motorista.
Ainda mais, são os pais descuidados os imprevidentes, que deixam sem vigilância as crianças cruzarem os caminhos destinados para o trânsito de velocidade.
São os "loucos da estrada" todos os que acabei de enumerar". O deputado, incluído na ala republicana da Assembleia, para resolução do problema propunha: "tornem-se mais duras as sanções. Faça-se policiamento menos burocrático e mais educativo.
Modifiquem-se as provas de exame de competência para condutores de motorizados em ordem a menos mecânica inútil e falaciosa e a mais textos de carácter. Façam-se exames somático-neurológicos rigorosos. Apresentem-se aos condutores textos para avaliação das faculdades físicas de reacção. Submetam-se os candidatos a provas de agudeza dos sentidos. Responsabilizem-se os peões".
Não se poderá dizer, das propostas do ilustre deputado da ditadura, que sejam antiquadas ainda hoje têm modernidade evidente. Um pedaço de prosa caustico e bem urdido. O Português, quando desfruta da possibilidade de conduzir um veículo automóvel, na maioria dos casos, entra num estado de euforia, natural ou "induzida", comportando-se como piloto de corridas. A "fama" pelo visto, "já vem de longe", como na antiga publicidade a uma bebida alcoólica. Ou talvez por isso...