No decurso do Século XVIII,os registos paroquiais da freguesia de Nossa Senhora de Belém, Rio de Mouro,encontramos assentos indicando, Casal dos Almarges, ou também Almargem.
A memória deste casal saloio, esfumou-se na voragem do tempo, por mais que indagasse, ninguém sabia onde estaria localizado,
O labor da pesquisa para conhecer melhor história e património locais,permitiu encontrar num arquivo onde não seria suposto existir, informação acerca do "casal".
Os Almarges ou Almargem foram onde hoje está sitio denominado, " porqueiros " junto ao IC19, no sentido Lisboa Sintra,no eucaliptal,contiguo ao mercado de Rio de Mouro. As parcas casas do Casal dos porqueiros são derradeiro vestígio da extensa propriedade, que se estendia até ao antigo forno da cal,destruído para construir a escola secundária de Rio de Mouro,pertença do comerciante de materiais de construção conhecido pelo " Manel da Cal ".A " certidão " comprovativa do achamento deste sitio perdido, e que aqui desvendo ,vai como ilustração deste "post ".
Nas " peregrinações " turísticas pelo alfoz da região saloia arrabaldes de Lisboa, " aportei " há pouco ao centro histórico de Enxara do Bispo,concelho de Mafra, antiga freguesia actualmente integrada na união com Gradil e Vila Franca do Rosário
Além algumas casas de aspecto solarengo, despertou curiosidade a igreja matriz da evocação,Nossa Senhora da Assunção.Templo de dimensão pouco habitual em terras gente maioritariamente humilde como parece ter sido o caso da urbe em tempos; está inacabado,dando ideia pretenderem construir edifício imponente.Que teria acontecido?.Investiguei, julgo encontrei resposta.
Enxara do Bispo durante séculos, foi vigararia,cujos rendimentos pertenciam Universidade de Coimbra assim como terras agrícolas das redondezas cujo agricultores pagavam dizimo aquela instituição.
No final do século XVIII, igreja paroquial da localidade encontrava-se de acordo petição dos moradores " em estado ruinoso e muito indecente de se celebrar nela o Culto Divino ". Pediam providencias as autoridades para mandarem a junta da Universidade dar prontidão ao restauro, ou autorizarem os moradores com dinheiro que deviam pagar a Universidade fazer as obras.
A Universidade de Coimbra,resolveu não reparar a igreja , em vez disso, mandou edificar uma nova . As obras iniciaram-se na década de 1820, convulsões sociais da época e abolição dos forais, levaram interrupção .A universidade teve de remir os foros, deste modo a igreja ficou como estava, e aliás continua, talvez, o povo não disporia de dinheiro suficiente para dar seguimento a empreitada,e já era possível utilizá-la para o culto...
Deu tanto prazer a " descoberta " decidi partilhar com os " leitores". A foto mostra estado actual da Igreja.
Revolução liberal de 1820, originou elaboração de nova Constituição em 1822, conteúdo avançado para a época, no capitulo único artigo I, nº16, estipulava, " todo o Português poderá apresentar as cortes e ao poder executivo, reclamações, queixa ou petições, que deverão ser examinadas ". Este preceito constitucional, abriu caixa de " pandora " , os portugueses sempre foram " queixinhas " , vai daí quando entrou em vigor a Constituição, as cortes foram " inundadas " de petições reclamações e queixas de toda a índole.
Deparei numa pesquisa requerimento datado 24 Abril de 1822 remetido as Cortes, por moradora do lugar da Azóia, termo da Vila de Sintra, de seu nome Ana, casada com Isidro José " no qual se queixa do seu marido, que procurava meios de a maltratar, por andar amancebado, com Joana Joaquina, casada com José Jorge, o qual está a par da situação, mas nada faz para a evitar, e por isso pede as Cortes que mandem o ministro da vila de Colares, informar-se do que se passa, e proceda conforme as leis mandam agir contra aquelas pessoas que cometem semelhantes crimes".
Estamos perante um caso de violência doméstica como hoje se diz, e também adultério. A senhora estava desesperada, confiava numa reação positiva dos deputados membros da comissão, respetiva das Cortes que examinaria o caso.
A resposta chegou curta e sucinta para desgosto da infeliz Ana. " não compete as cortes, tratar destas causas, 27 Abril 1822 ".
Fica para História petição escrita na Azóia do Cabo da Roca, aldeia mais ocidental de Portugal e da Europa. A temática social mantem-se quase dois séculos depois.
A custódia que referi em anterior " post ", deve ter sido , talvez, oferecida a igreja como testemunho do jubilo e honra que constituiu aprovação do nosso patrício, para receber ordens religiosas,como se depreende de documento em minha posse, do teor seguinte :
" Acordam em relação a questão que vistos estes autos, e diligencias de puritate sanguinis, do habilitando José da Silva compatrista deste Arcebispado de Évora e natural do lugar dos Francos freguesia de Nossa Senhora de Belém , Rio de Mouro , termo da vila de Cintra Arcebispado de Lisboa Ocidental, filho legitimo de Domingos João e de Andresa Francisca, naturais , e moradores do dito lugar dos Francos, pelo que resulta e se prova destes autos julgam o dito habilitando por si e seus avós paternos e maternos, por legitimo e inteiro cristão velho, e de sangue limpo sem raça de alguma infecta nação ou das reprovadas pelos sagrados cânones, e por tal declaram e habilitam. Évora , 29 de Outubro de 1721 ".
O tio António da Silva, ourives da diocese ,homem rico,doou o património exigido ao sobrinho para ser admitido no processo de ingresso em ordens sacras.A satisfação deve ter sido muita, sendo pessoa de posses terá decidido, executar e oferecer a paroquia da sua naturalidade a custódia, curiosamente, referida como peça do século XVIII.Vou continuar até esclarecer tudo...
Referi neste "sitio" a tradição de artesania do ouro e da prata ,referenciada no século XVIII,no Município de Sintra, nomeadamente em Sacotes e Rio de Mouro.
Relendo ,Pinho Leal o seu "Portugal Antigo e Moderno" ; reparei novamente no que escreveu acerca da igreja matriz de Nossa Senhora de Belém, passo a citar "Nesta igreja matriz há uma custódia de prata dourada, que em 1877 foi vendida por engano (!), ao sr. visconde de Monserrate, porém , a força de reclamações tornou a vir de Inglaterra , para onde tinha ido.Esta custódia é um primor da arte de ourivesaria, e obra de grande merecimento ".
Sabemos a Paróquia de Rio de Mouro,era circunscrição eclesiástica de fracos proventos, por isso seria difícil,mandar executar custódia de custo elevado,como parece ser o caso.Talvez tenha sido oferecida a Igreja por ourives oriundo de Rio de Mouro.!?
Em 1721,exercia profissão,de ourives na cidade de Évora,José da Silva , natural do lugar de Francos; segundo apurei detentor de apreciável fortuna,aliás, deu a dois sobrinhos igualmente, naturais de Rio de Mouro, dote necessário a obtenção de ordens sacras, na Arquidiocese Eborense.Terá sido quem executou e ofereceu a sagrada alfaia a igreja matriz onde havia sido baptizado?
Ilustro texto com uma página do processo de um dos candidatos ao sacerdócio, atrás referido.