Há locais que pela situação geográfica características topográficas coberto vegetal e ambiente, são propícios a recolhimento e a meditação. Durante séculos tais "paragens" serviram de guarida a romeiros que as visitavam na crença de comunicar com o além, e obter protecção divina.
A vegetação abundante e frondosa,assumiu sempre enorme fascínio nas populações.Leite de Vasconcelos 1905, pg. 108 escreveu: "Entrar num bosque, rico de árvores seculares e gigantescas, onde a grandeza dos vegetais causa espanto e as próprias sombras infundem mistério, era para os antigos...fonte de ensinamento religioso."
Um local com as características enumeradas podemos encontrá-lo, na antiga extrema dos concelhos de Sintra e Loures a poucos quilómetros do centro de Lisboa: a capela dedicada a Nossa Senhora dos Enfermos. Segundo as memórias paroquiais elaboradas em 1758 e referentes a Almargem do Bispo "a ermida de N. Senhora dos Enfermos, santa muito milagrosa, está na quinta do secretário de estado Tomé Joaquim da Costa Corte Real". Acerca deste personagem coligimos alguns elementos: havia sido nomeado em 1756 para a secretaria de estado da Marinha e Ultramar, substituindo Diogo Mendonça Corte -Real, destituído por decreto do rei D. José I de Portugal, acusado de conspirar contra Sebastião José de Carvalho e Melo,Ministro do Reino, foi degredado para Mazagão no norte de África e depois encarcerado na fortaleza das Berlengas, vindo a falecer no convento de São Bernardino dos Franciscanos de Peniche, para onde D. José comovido com a sua sorte autorizou a transferência.
Na actualidade a presença de um cruzeiro na entrada da povoação, simboliza a religião cristã praticada no santuário.No entanto carvalhos seculares a mata das cercanias, e a fonte de água com propriedades terapêuticas,e o vale aberto em cujo fundão se edificou a capela,seriam motivo de atração de índole religiosa, antes de surgir a romaria muito concorrida, e onde peregrinavam anualmente habitantes de Lisboa que para o efeito formaram um "círio".
Na quinta viveu Francisco de Olanda,figura impar do renascimento em Portugal; sem dúvida paragem singular onde podemos detectar o carácter sagrado que no decurso dos séculos os habitantes de território dilatado, atribuíram ao "Sítio".
O território do actual concelho de Sintra, foi ao longo de séculos considerado prolongamento natural da urbe Lisboeta. O termo de Lisboa chegava a ponte da Agualva, algumas povoações sintrenses dependiam, em questões judiciais de magistrados dos bairros de Lisboa.
A zona que hoje corresponde à Freguesia do Almargem do Bispo, cujas pastagens alimentavam os gados propriedade do Patriarcado Lisbonense, dependia do Juiz do Bairro de S. José, no presente a envolvente do Largo da Anunciada, na capital portuguesa.
Esta situação resultava não só da proximidade do Almargem, relativamente a Lisboa mas também porque era mais fácil ao Bispado resolver eventuais conflitos recorrendo as "justiças" da cidade,e não as de Sintra. Um Alvará Régio do século XIX estipulava:
"Vossa Magestade ha por bem declarar que fica pertencendo ao bairro de S. José o julgado das Albogas Velhas, termo de Lisboa, em que compreende a Freguesia denominada do Almargem do Bispo, com o lugar de Dona Maria, e outros, de que tractou o Alvará com força de lei de sete de Fevereiro de mil oitocentos e vinte e seis, que estabeleceu uma mais regular distribuição das Freguesias desta capital, e dos julgados do termo, pelos bairros da mesma capital, tudo na forma acima declarada. Lisboa 3 de Dezembro de 1829, assinado José Manuel Barbas".
Como curiosidades salientamos a particularidade do topónimo ser "do Almargem" o que remete para prado, que é masculino. A citação de Dona Maria significava que ao tempo devia ser o lugar mais importante.
No agrupamento das freguesias que se procedeu recentemente, talvez tivesse sido apropriado denominá-lo "Albogas Velhas" tendo em atenção o que relatamos,Seria? Talvez, quem sabe?
Quando interinamente exerci as funções de Presidente da Câmara Municipal de Sintra o motorista da época o já falecido Sr. Morgado costumava dizer que da Piedade da Serra se pode avistar quase todo o território do Concelho de Sintra. De facto daquele sitio junto a Vale de lobos na freguesia de Almargem do Bispo o panorama é deslumbrante, a perder de vista. Levado pela curiosidade passei a frequentar o local, já ao tempo 1978, me chamou a atenção um imponente eucalipto que é a única árvore existente no largo fronteiro do templo, entre a Capela e o Cruzeiro.
A capela é do século XVIII, comemorando-se este ano o 250º aniversário da sua fundação.
Todos os anos a 24 de Agosto há uma concorrida romaria a Nossa Senhora da Piedade a quem os povos vizinhos têm grande devoção. Antigamente havia uma feira franca anual que durava três dias conforme consta da lápide colocada sobre a porta principal do santuário.
O eucalipto que hoje referimos está plantado na berma da estrada que indevidamente atravessa o adro, por onde passam veículos a grande velocidade sendo por isso um perigo para quem pretende observar a árvore, ou fruir a área de lazer. Não é difícil desviar a artéria para a orla do largo descrevendo uma curva. Esta medida possibilitaria que se pudesse admirar tranquilamente o eucalipto e colocaria o seu belo tronco ao abrigo de um qualquer carro que se despiste e seria um complemento as recentes obras efectuadas. Esta árvore centenária foi testemunha de muitos actos religiosos, a sombra da sua fondosa copa acolheu, por certo, muitos noivos e acompanhantes dos casamentos, que com ferquência, se celebram na Ermida.
O eucalipto pela sua situação e porte merece ser referenciado como espécime de interesse público. O que mais chama a atenção é o perimetro do caule que é de 3 metros.
Aqui, bem no coração do municipio sintrense, cresce um "monumento vivo" que deve ser conhecido e salvaguardado, porque é uma árvore notável e faz parte dum enquadramento pasagistico onde o sagrado e o profano se completam duma forma harmoniosa...